Maturação - DegustandoWhisky

Maturação… Chegamos à etapa que muitos especialistas e entusiastas citam como a mais importante na produção de whisky: maturação. É comum inclusive dizer-se que mais de 60% das características de um whisky são obtidas nesta etapa. Mas confesso, não gosto dessa afirmação. É que o tal de “é comum de dizer” para muitos acaba virando “regra”, “verdade imutável”. E é nesse ponto que eu preciso ser franco e dizer: “depende”.

O que é a maturação?

MaturaçãoEm termos práticos, é a etapa seguinte à destilação, na qual o spirit (líquido que foi obtido na destilação) é armazenado em barris de carvalho e ali permanece por alguns ou vários anos até ser considerado pronto para consumo.

Essa etapa é extremamente simples e, ao mesmo tempo, complexa. Simples, pois basta entender que a idéia dessa etapa é permitir que a madeira do barril impacte na cor, aroma, sabor, textura, finalização do whisky. Complexa, visto que há uma metamorfose ocorrendo dentro do barril, e são tantas variáveis a serem consideradas que somente alguns muito experientes podem prever o resultado dessa metamorfose.

O que é importante saber?

Para você que deseja entender melhor a transformação que acontece durante a maturação, é preciso ter em mente algumas informações. Eis alguns tópicos que norteiam o assunto:

Tamanho dos Barris

Vamos pelo básico: existem barris de vários tamanhos. O detalhe é que, neste caso, o tamanho faz diferença. Quanto maior o barril, logicamente maior a quantidade de líquido dentro do barril. Pode parecer bastante prático, pois facilita a armazenagem do whisky, mas… É preciso ter em mente que nos barris grandes há muito líquido para entrar contato com a madeira. Quanto menor o barril, logicamente menos líquido dentro do barril, só que haverá mais contato com a madeira. Ou seja, há uma questão de proporcionalidade aqui:

  1. Quanto maior o contato com a madeira do barril, mais influência o líquido receberá da madeira.
  2. Quanto menor o barril, maior o contato entre líquido e a madeira do barril.
  3. Quanto mais contato entre líquido e madeira, mas rapidamente matura.

Tamando dos Barris

Isso não significa que barris menores são melhores: são apenas mais efetivos. Significa que vão influenciar de forma diferente o líquido dentro do barril e “ser mais efetivo” nem sempre é apropriado. Cada caso é um caso. E isso vale para qualquer bebida, não apenas whisky.

Tipos de Madeira

Talvez o melhor aqui seja “tipos de carvalho”. O carvalho é, por padrão, a madeira utilizada nos barris e, em muitos paises, isto não é opcional, é regra. Substâncias presentes na madeira acabam interagindo com o whisky (ou com a tostagem da madeira) e, dependendo do tipo de carvalho, essas substâncias variam.

Então, quando tentamos entender as diferenças entre os tipos de carvalho, devemos entender que, em primeiro lugar, a concentração de substâncias (taninos, polifenóis, lactona, etc) variam de uma espécie para outra. Outro ponto a se pensar é que não é simplesmente uma questão de espécie de carvalho, mas também de localização. O mesmo espécime de carvalho, plantado em regiões diferentes, difere na concentração dessas substâncias: algo como o “terroir” do carvalho.

Carvalho Branco Americano (quercus alba)

É o tipo de carvalho mais utilizado. É encontrado nos EUA e em partes do Canadá. Cresce mais rápido e tem maior densidade que o carvalho europeu. Oferece maior quantidade de vanilina, que acaba refletindo em aroma de baunilha.

Carvalho Europeu (quercus robur e quercus petraea)

De crescimento mais lento e densidade menor, como diz o nome, é encontrado na Europa. O peatraea é mais comum na França, sendo comum sua utilização na maturação de vinhos.  O robur é facilmente encontrado por toda Europa. Possuem mais taninos e ácidos e normalmente fomentam sabores mais secos e apimentados. De uma forma geral, considera-se que proporcionam mais complexidade ao whisky que o carvalho americano.

Carvalho Japonês (quercus mongolica, quercus crispula e quercus dentata)

Mesmo havendo essa variedade de carvalhos japoneses, o mais utilizado e preferido tem sido o crispula (“mizunara”). Oferece altas quantidade de vanilina, proporcionando uma rica e saborosa maturação. Importante ressaltar que é um tipo de carvalho mais macio e poroso e sua baixíssima densidade facilita vazamentos e rupturas dos barris, sendo relativamente evitado pelas destilarias. Normalmente acaba não sendo usado por todo o período da maturação, mas principalmente na finalização da maturação.

Outros Carvalhos e Outras Madeiras

Existem outras espécies de carvalho, mas de uma forma geral ficam à margem na indústria de whisky. Na verdade existem outras madeiras que poderiam ser usadas para maturação (cerejeira, amburana, amendoim, etc), mas normalmente não são usadas pela indústria de whisky, que segue considerando o carvalho como sendo o mais apropriado.

Tostagem do Barril

Muitas pessoas tem, visualmente, uma impressão equivocada de como é a madeira dentro do barril. A imagem que temos de barris de whisky, seguidamente, é de um barril de madeira aparentemente até polida, mas sempre de tonalidade mais clara. Quando estão escuros, normalmente é de poeira ou de envelhecimento natural.

Mas essa imagem de tonalidade mais clara, não reflete a realidade. Embora a parte exterior do barril seja importante, o que mais vale, na verdade, é o interior do barril. E o interior do barril tende a ser sempre escuro, resultado de tostagem ou incineração da madeira.

Parte interna de barril da Ardbeg
Parte interna de barril da Ardbeg – Diferentes níveis de tostagem e queima produzem whiskies diferentes

Os barris costumam ser tostados ou incinerados na parte interior. Além de promover uma higienização do barril, também promove mudanças nas substâncias da madeira. Algumas substâncias são potencializadas, outras diminuidas. E isso afetará o whisky durante a maturação. Alguns exemplos do que proporciona a tostagem/queima do barril:

  • é potencializado a vanilina, conferindo mais características de baunilha ao whisky.
  • açúcares da madeira são caramelizados e acabrão misturando-se ao whisky
  • quanto mais queimada é a madeira, mais carbono estará presente, e este remove substâncias sulfurosas do whisky

Existem muitas, e muitas, e muitas outras coisas que envolvem a tostagem/queima do barril. Mas isso merece um tópico especial, apenas sobre o assunto em si.

Tempo de Maturação

Diria que essa é a característica mais conhecida (e até apreciada!) da etapa de maturação. Basicamente, é quanto tempo o líquido está dentro do barril. É essa característica que determina a “idade” do whisky (whisky 12 anos, whisky 18 anos). Na Escócia, por regra, o whisky precisa ficar pelo menos 3 anos dentro do barril.

Quanto maior o período de tempo, maior a idade do whisky. Não significa que o whisky ficará cada vez melhor, significa que por mais tempo o líquido será influenciado pelo barril. Na maioria das vezes essa influência é positiva, mas não se pode tomar isso como regra. Depende do destilado (spirit) e das características que a destilaria deseja para o produto final.

Alguns revenciam os whiskies mais “idosos”, dizendo que são mais nobres por terem ficado mais tempo maturando. Na verdade, é a própria indústria de whisky que vende essa idéia. Pessoalmente (e não desejo ir contra a indústria de whisky, mas…) preciso salientar que whiskies mais envelhecidos tem características diferentes de whiskies mais jovens e, no fim das contas, é mais uma questão de gosto do que de qualidade. Existem muitos whiskies jovens que são de qualidade fantástica e muitos whiskies superenvelhecidos simplesmente decepcionantes.

Bebida Previamente Utilizada no Barril

Jack Daniels
Barris de Jack Daniels são usados para maturação de whisky escocês.

Exceto pelo Bourbon que, por regra (pelo menos até o momento),  utiliza sempre barris novos para maturar o whisky, a maioria dos whiskies produzidos mundo afora podem e utilizam barris que já foram utilizados previamente para maturar outra bebida: whisky, vinhos, cerveja, rum, etc. Neste caso, costuma-se dizer que o barril foi “temperado” antes de ser utilizado para maturar whisky.

E é bem esse o sentido de colocar um vinho, por exemplo, dentro do barril que foi produzido pensando-se em whisky. O vinho vai interagir com a madeira do barril, vai adentrar nos seus poros e lá vai deixar muitas substâncias (“temperar”). Posteriormente, quando o barril será usado para maturar whisky, o whisky receberá essas características, influenciando em cor, aroma, sabor…

Por isso é muito comum ouvir falar em whisky maturado em barris ex-bourbon, ex-sherry, etc. Os barris ex-sherry são altamente coinceituados por conferir uma série de sabores e aromas que tornam o whisky mais complexo. Os barris ex-bourbon são os mais usados, bem mais baratos e conferem sabores mais adociados, como caramelo e baunilha. Pessoalmente, não compartilho a idéia que de os barris ex-sherry são superiores a ex-bourbon. Considero apenas que influenciam de forma diferente o whisky que será maturado e dependerá da destilaria a escolha da opção mais apropriada.

Reutilização de Barris

Essa é mais uma característica que vem recebendo ênfase pela indústria de whisky e que, novamente, digo que “depende”.

Na indústria do bourbon sempre são utilizados barris novos (new casks, nunca usados anteriormente para maturação ou qualquer outra coisa). No resto dos casos, é comum reutilizar o barril. Nesse momento surgem termos como new cask, first fill, second-fill, refill… Mas é interessante entender bem como funciona isso, pois para muitos parece até “pegadinha”.

Quando o barril é utilizado pela primeira vez para maturar whisky, ele é chamado first-fill (“primeiro enchimento”). E aqui reside a pegadinha: esse barril provavelmente já deve ter sido usado para maturar outra bebida, seguindo o conceito de “temperar o barril”. Significa que o first-fill é, na verdade, o segundo enchimento e não o primeiro!

Os barris podem ser reutilizados varias vezes, dependendo das condições do barril e do interesse da destilaria. O ponto a se considerar aqui é que, quanto mais o barril é reaproveitado, menos ele consegue influenciar o whisky nele contido. Ele vai perdendo sua capacidade de alterar a composição do whisky.

Algumas destilarias vem valorizando bastante o fato de usarem apenas barris first fill (ex-bourbon ou ex-sherry), citando que estes barris são mais caros e proporcionam uma maior gama de sabores ao whisky. Isso de fato é verdade, mas será a melhor opção? Depende! Depende se esse barril combina com o tipo de destilado produzido na destilaria e depende se o interesse da destilaria é proporcionar ao seu consumidor:

  1. um whisky cheio de característias provenientes da maturação, até sobrepondo características obtidas na fermentação e na destilação ou…
  2. um whisky completo, com notáveis características provenientes da destilação e da fermentação, além das características obtidas na maturação.

Pessoalmente, não sou a favor nem contra os refill. Apenas não discrimino as destilarias que reutilizam barris (refill). Gosto da idéia de estar tomando um produto mais completo e não mascarado pela maturação, independente do barril ser first fill ou refill. Um bom exemplo de whiskies maturados em refill são os ótimos whiskies da Highland Park, que misturam refill e first fill.

Percentual Alcoólico

Este é um tópico que não é abordado pela grande maioria dos livros e sites que se propõem falar sobre whisky: o teor alcoólico do spirit que é colocado dentro do barril. Muito se deve pelo fato de, na maioria das vezes, o percentual ser de aproximadamente 63,5% (whisky de malte). Inclusive, alguns livros dão a entender que isso é uma regra. Mas nem sempre é assim, e é preciso entender a relação disso com o destilado, a água e as mudanças que ocorrem durante a maturação.

Não vou me aprofundar muito neste tópico (de fato, ele merece um artigo específico), mas quero expor o importante. Dependendo do teor alcoólico do destilado (e da quantidade de água usada para ajustar esse teor alcoólico) que é colocado dentro do barril, a concentração de substâncias do destilado varia (taninos, ésteres, ácidos, óleos, aldeídos, sólidos, etc). Essa variação vai impactar nos aromas e sabores que se desenvolverão durante a maturação. Além disso, vai impactar também no tempo de maturação. O teor alcoólico de aproximadamente 63,5% é considerado o ideal para obter uma boa qualidade de maturação em 4 ou 5 anos usando barris de 200 a 250 litros de capacidade.

Algumas destilarias (como a Bruichladdich), armazenam seus whiskies com teor alcoólico maior, em torno dos 70%. As destilarias podem armazenar, caso queiram, o spirit sem adicionar água. Quanto maior o teor alcoólico, teoricamente maior deve ser o tempo de maturação. Mas é uma regra que pode ser contornada, dependendo de como a destilaria procedeu nos tópicos anteriores e na armazenagem dos barris.

Armazenagem

Por fim, mas não menos importante, está o local de estocagem dos barris: os warehouses. Dependendo do estilo desses depósitos, do modo como são usados, bem como de sua localização, o destilado matura de jeito diferente dentro dos barris.

Os warehouses mais tradicionais são os “dunnage“. Feitos com paredes de pedra e com chão de terra, oscilam menos de temperatura e mantém melhor a umidade do ambiente. Normalmente os barris são armazenados deitados, em até três níves de barris. Os warehouses do tipo racked são maiores, e normalmente com estruturas metálicas e para até mais de 10 níves de barris. Nestes depósitos há oscilação maior de temperatura e de umidade no ambiente.

É importante entender que, dependendo da temperatura e da umidade do ar, ocorre variação na evaporação e na oxidação do whisky que está dentro do barril. Todas essas variações impactam nas características do whisky.

A localização também influencia o resultado da maturação. Algumas destilarias tem seus depósitos à beira mar, impactando diretamente na umidade do ambiente. Alguns citam (nem todos) que essa proximidade com o mar proporciona um whisky com gosto mais salgado, hipoteticamente obtido durante o período da maturação.

E agora?

Agora que o whisky já está no barril, temos que esperar. A destilaria vai acompanhar a evolução do whisky dentro do barril, coletando amostras de tempos em tempos. Quando eles considerarem que o whisky está no ponto ideal, o mesmo passará para a finalização e envase.

Um comentário em “Como é Produzido Whisky VII – Maturação”

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